NEVE

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Natal e natais-década de 60 do século passado


Dar bodo aos pobrezinhos
e enxovais pra bercinhos

procurando ser bonzinhos:
É natal filantrópico.
Silenciar o canhão
em tréguas de ocasião
chamando ao amigo 'irmão':
Isto é natal político.
Participar em festanças,
em banquetes e em danças;
trocar cartões e lembranças:
Eis o natal social.
As montras iluminar
e as ruas engalanar
pra mil coisas traficar:
É natal comercial.
O velho presepio armar,
na missa-do-galo estar
pra ladainhas cantar:
É natal religioso.
O Natal espiritual, não é nada de formal,
nada de convencional;
é Cristo Jesus nascer
no imo do nosso ser,
e n'Ele sempre viver!”

Dia de Natal


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela, se multiplica em gestos esfuziante,
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.

Ah!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
       É NATAL
                                          Hoje é dia de Natal
                                          Mas o menino Jesus
                                          Nem sequer tem uma cama,
                                          Dorme na palha onde o pus.
                                         
                                          Recebi cinco brinquedos
                                          Mais um casaco comprido.
                                          Pobre menino Jesus,
                                          Faz anos e está despido

                                         Comi bacalhau e bolos,
                                         Peru, pinhões e pudim.
                                         Só ele não comeu nada
                                         Do que me deram a mim.

                                         Os reis de longe trazem
                                         Tesouros, incenso e mirra.
                                          Se me dessem tais presentes,
                                          Eu cá fazia uma birra.

                                          Às escondidas de todos
                                          Vou pegar-lhe pela mão
                                          E sentá-lo no meu colo
                                          Para ver televisão.